sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Um barquinho de papel

Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. O que eu falei de exato? Foi. Mas teria sido? Agora, acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado. (...) A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber porque, e desde aí perde o poder de continuação – porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada.”
Guimarães Rosa.

Foi num barquinho de papel que a gente criou nosso próprio universo. Dois capitães descompromissados, isentos de qualquer obrigação um com o outro e imunes de toda e qualquer teoria criada para explicar essa navegação.
No comecinho da viagem, tudo foi tão normal para, mais tarde, se tornar aquilo que alguns denominam o "baú do tesouro". Os dois, cada um com o seu remo, a seu ritmo e ao balanço da leveza e delicadeza de nosso mundinho irresponsável, ia seguindo vida  adentro. A gente aportou, no meio da noite, em um ponto de busão e esperamos acontecer algo (alguma coisa de extraordinária, mas, nem desconfiávamos que o "super" já estava rolando): a gente conversava, ria de forma formidável para desagradar os vizinhos, falava de besteiras, de segredinhos bestas e infantis e contava algumas historinhas de pescadô.
Dois tripulantes num mesmo barquinho frágil. E a isenção foi ficando de lado, a imunidade deu lugar ao carinho ou solidão e aqueles, antes capitães de suas próprias vidas, se tornaram parceiros de alguma coisa muito boa, mas que não se tem nome.
Nas andanças pelo mar que, não raramente (digo: frequentemente) eram feitas "de pé dois", eles caminhavam e trilhavam para algum farol que nenhum dos dois sabia, ao certo, onde ficava, mas só de saberem-se em busca da mesma luzinha brilhante, na mesma sintonia e com as descompassadas batidas de ironias, de mal-dizeres, de desavenças, já era suficiente. Importante no sentido de que voltariam sempre para ver se o barquinho estava lá e se o outro tbm se encontraria lá. Fantástico na medida em que o adjetivo era mais-que-perfeito para qualificar alguns crimes cometidos pelos dois piratas. Irresistível como a torta de sonho de valsa que foi compartilhada no meio-fio que, simbolica e denotativamente, já separava o barquinho em dois.
Dois Pedros Álavres Cabral: cada um em sua rota, em busca do seu tesouro, do seu saramago ou de sua clarice, do seu brasil para ser descoberto. O farol que, dantes navegam à procura, ficou em algum lugar e ainda não foi encontrado. E nunca o será. Talvez, seja essa latência que torne o livro muito mais interessante. Ou não.

Era uma vez...
"um barquinho de papel".

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